terça-feira, 19 de fevereiro de 2008


De tudo ficou um pouco.

Do meu medo. Do teu asco.Dos gritos gagos.

Da rosa ficou um pouco.


(...)

Fica um pouco de teu queixo

no queixo de tua filha.

De teu áspero silêncio

um pouco ficou, um pouco

nos muros zangados,nas folhas, mudas, que sobem.


Ficou um pouco de tudo

no pires de porcelana,

dragão partido, flor branca,

ficou um pouco de ruga na vossa testa,retrato.

(...)


De tudo fica um pouco.Não muito: de uma torneira

pinga esta gota absurda,meio sal e meio álcool,

salta esta perna de rã,este vidro de relógio

partido em mil esperanças,este pescoço de cisne,

este segredo infantil...


De tudo ficou um pouco:de mim; de ti; de Abelardo.

Cabelo na minha manga,de tudo ficou um pouco;

vento nas orelhas minhas,simplório arroto, gemido

de víscera inconformada,e minúsculos artefatos:

campânula, alvéolo, cápsulade revólver... de aspirina.


De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.


Oh abre os vidros de loção

e abafa o insuportável mau cheiro da memória.


!!!

resíduos - Drummond